quinta-feira, 19 de agosto de 2010

ESQUERDA(S) e DIREITA(S)

O principal e sempre verdadeiro objectivo dos partidos e dos políticos é alcançar o poder. Se para tal for necessário ocultar ou abafar alguns tiques ideológicos desconfortáveis, os seus líderes, sem relutância, o farão. Pensar em Direita ou Esquerda é cada vez mais oco. Não pretendo amputar desta reflexão os predicados morais e éticos, tal como procurou ensinar-nos Maquiavel, uma vez que considero que estes continuam presentes na própria natureza política do ser humano (pelo menos de alguns). As discussões doutrinais e ideológicas estão cada vez mais distantes das estruturas e dos diálogos internos dos partidos. As sociedades assentes em democracias liberais e economias de mercado estão excessivamente acomodadas, não se incomodando com estas questões.
Portugal não é obviamente excepção. Os eleitores que realmente decidem as eleições estão localizados no centro. São aqueles que orientam o seu voto entre o PS e PSD, de acordo com as circunstâncias do país e em função do líder apresentado. Não lhes interessa, genericamente a natureza ideológica do partido (se mais de Esquerda ou Direita), apenas desejam ver os seus reais problemas resolvidos.
Assistimos então, a um perigoso ciclo vicioso muito difícil de quebrar. Por um lado os partidos procuram a todo o custo vencer as eleições, focando essencialmente as suas acções em atrair o eleitorado móvel do centro, por outro os eleitores apenas desejam ver as suas dificuldades solucionadas, sendo-lhes indiferente qual a abordagem doutrinal a aplicar.
É certo que existem sempre algumas políticas de pormenor, usualmente anunciadas com destaque em comícios ou jantares dos próprios partidos, que servem somente para tentar assinalar as ditas diferenças e manter as bases satisfeitas e motivadas.
Mas no essencial, o que realmente impera é o politicamente correcto. A genuína luta ideológica e o profundo debate das problemáticas estruturais, se este rumo predominar, estarão condenados, transformando o combate político numa mera discussão de currículos e na fútil análise das individualidades, diferindo os partidos do poder, apenas por intermédio dos dotes públicos e dos atributos carismáticos dos seus lideres. É o triunfo da estética face ao conteúdo.
O vazio do recheio provoca um sentimento contagiante de extrema apatia. Parece que surgem sempre as mesmas soluções para os mesmos problemas e reforça-se a sensação que os partidos políticos quando adquirem o poder tornam-se receosos de assumirem as suas verdadeiras convicções e de abraçarem um cariz ideológico bem definido, sobretudo em áreas como a economia e justiça.
A esperança e o sonho deixam assim de fazer parte do texto, sobejando o imediatismo e o superficial. Os efectivos problemas continuam a exigir ponderadas decisões, assentes ora em fortes modelos doutrinários ora em linhas de pensamento devidamente estruturadas, mas cujas aplicações são dolorosas, penosas e com elevados custos políticos, uma vez que os seus efeitos só são verificáveis a médio/longo prazo e os eleitores são geneticamente impacientes.
Neste insípido contexto, surgem então os supostos evangelizadores doutrinários, ou seja, os partidos mais pequenos sem alegada vocação de poder (a não ser por intermédio de coligações), que procuram enaltecer as suas matrizes ideológicas, invocando a defesa de algumas temáticas de forte vocação doutrinal.
Curiosamente, contrapondo inclusive a primeira parte da argumentação, tem-se verificado que em alguns países europeus (incluindo o nosso) estes nichos tendem a crescer. As populações cansadas dos discursos politicamente correctos e de comprarem sempre o mesmo tipo de produto que já não satisfaz as suas necessidades, começam a procurar alternativas bem diferentes, radicalizando inclusive as suas escolhas, optando por formas mais arrojadas e aparentemente mais refrescadas. O problema desta dualidade, reside no extremismo da própria doutrina. No fundo os partidos de centro tornam-se incaracterísticos, transmitindo uma imagem de distanciamento relativamente a qualquer ideologia, deixando esse campo para os partidos mais pequenos. Os eleitores, sedentos de novas opções, recorrem então às velhas ideologias, mas agora só as encontraram nestes partidos, que tendem a radicaliza-las.


FM (17:15)