quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

WIKIASSANGE

Julian Assange, o homem que se tornou em poucos dias na personagem mais famosa do mundo, será provavelmente considerada a grande figura de 2010. Odiado e Amado, como são todos os que alcançam este lugar de destaque na imprensa mundial, este nova figura não se permite à simples e singela indiferença.

Quando em Abril, o site WikiLeaks, revelou ao mundo o chocante vídeo dos dois helicópteros Apaches a dizimarem um grupo de pessoas no Iraque, como se de um jogo da PlayStation se tratasse, o apoio em redor da relevância do conteúdo e da importância do site foi unânime, alcançando então o primeiro degrau para a sua notoriedade mediática
Mais tarde vieram as, consideradas, pertinentes e necessárias informações sobre as guerras do Afeganistão e do Iraque,  que suscitaram mais polémica e indignação, mas ainda sem atingir os níveis de entusiasmo suficiente para empolgar o comum dos mortais.
Finalmente, quando o site se transformou num género de revista cor de rosa da diplomacia internacional, conheceu definitivamente a fama internacional.
Agora sabemos não só o nome do site, como o do seu fundador e aprendemos termos como “cable” ou “mirror”.

Mas o que pretende Julian com estas revelações?

Os puristas acreditam que o WikiLeaks apenas deseja desmascarar a face obscura dos governos e das suas diplomacias, prestando dessa forma um serviço aos cidadãos do mundo.
Muitos defendem a tese que o site apenas está a permitir dar visibilidade à pequena vingança de antigos militares e/ou funcionários do departamento de Estado americano. 
Outros acreditam que existem interesses estratégicos e económicos em todas estas movimentações, mas que ainda não conseguiram depreender quais.
Temos ainda aqueles que vêm esta actividade como um claro protesto antiamericano, dando voz a todos os que acusam os EUA de imperialismo.
E como sempre, somos também regalados com uma esplêndida teoria conspirativa do lunático Presidente da República Islâmica do Irão, que obviamente considera que tudo isto não passa de uma invenção, criada pelos terríveis americanos,  com o intuito  de dividir os irmãos muçulmanos e atacar os interesses do seu país. Sejamos justos, desta vez conseguiu ser mais criativo do que o seu homólogo Venezuelano.

O que é certo e incontornável, é que ninguém faz a mínima ideia dos verdadeiros intentos deste australiano.

Analisemos então as contras argumentações das possibilidades anteriores.

A pureza das boas intenções no mundo da impressa, na esfera da politica e nas suas calorosas relações, simplesmente não existe. Creio que ninguém será ingénuo para acreditar que Assange é somente motivado pelo nobre sentimento da liberdade de imprensa.
A tese da vingança será sempre muito difícil de provar. No entanto esta temática expõe, acreditando no que é contando pelos media, a forma infantil, amadora e caricata, de que como, supostamente, toda esta informação foi obtida. Aqui reside uma das principais (se não a principal), fontes do embaraço da diplomacia americana.
Relativamente aos interesses estratégicos e económicos, se estes realmente existem, o mais certo é nunca sabermos quais são.
Quanto à ideia que tudo isto pretende somente atacar os EUA, acredito, excluindo as hipotéticas tensões diplomáticas susceptíveis de serem criadas,  que grande parte dos documentos até agora divulgados embaraça mais os outros países do que propriamente os norte-americanos. Como provam, por exemplo, os documentos sobre a Arábia Saudita. 
Finalmente... sobre a elaborada ideia do Presidente Mahmoud Ahmadinejad... creio que não valerá a pena desperdiçar palavras para a contra-argumentar...

Não pretendo minorar muitos dos conteúdos revelados, mas sejamos honestos, grande parte do que foi dado a conhecer nesta última leva de informações, não é  provido de real interesse.

Começou-se então a difundir uma certa ideia que o segredo é nefasto, que a diplomacia deveria ser aberta e que o Sr. Assange é um herói. Parece que agora as relações internacionais apenas servem para encobrir jogos conspirativos e os interesses das elites políticas.  Mutámos, ou pretendem que mutemos, de tal forma o nosso pensamento, de forma a acreditar que os diplomatas e os serviços de espionagem, são instrumentos de uma classe corrupta e mal intencionada.

A arte da diplomacia, aquela que permite o sono tranquilo e o espírito descansado,  carece de descrição e reserva. Os seus sucessos são festejados em silêncios e o seus insucessos são as noticias de abertura dos telejornais.

Não elevem este australiano ao píncaros da magnanimidade, ele cometeu um grave delito, ele roubou informação confidencial, apoderou-se de documentos considerados secretos. A única coisa proeza que conseguiu, foi antecipar no tempo a sua divulgação.

Intimamente ligado com esta cadeia de acontecimentos está obviamente o papel dos media, que estão verdadeiramente delirantes com acesso a esta informação roubada. Mas impõem-se a questão: Deviam os meios de comunicação social ter publicado ou não estes conteúdos? Será seguramente difícil, se não impossível, um director de um qualquer jornal fechar os olhos a esta informação. No entanto, acredito que a forma de como seleccionar, abordar e transmitir estes conteúdos, deverá exigir rigor, serenidade e respeito. Não se pode, por exemplo, divulgar uma lista com os locais considerados, pela diplomacia americana, de elevada importância estratégica, da forma leviana como foi feito. Quem ganha com esta informação? Ou melhor, qual é a relevância jornalística desta informação? Apenas os terroristas sorriem com esta lista.

Precisamos da diplomacia. Precisamos do recato da diplomacia. A sua actuação permite que as democracias liberais, que nos habituamos a viver, resistam e sobrevivam!


FM (12:08)

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

“EXTRA, EXTRA, READ ALL ABOUT IT…”

Como seria um mundo sem os media?
A natureza humana é composta por um vasto conjunto de predicados. Um deles é a coscuvilhice.
E assim nasceu a imprensa... bom... talvez não tenha sido assim!
A liberdade de imprensa é um fortíssimo poder criado pelos cidadãos, indiscutivelmente necessário para a existência de democracias sãs e de sociedades sem receio.
No entanto, aquilo que se pretendia como algo saudável e bem intencionado, atingiu contornos excessivos, com tendência clara a ser agravado e exacerbado.
Hoje, a fronteira entre o que é entretenimento e informação, resume-se a uma linha excessivamente ténue. Sejamos realistas... os media são empresas, estas têm que dar dinheiro e satisfazer os seus accionistas, prosseguindo esta lógica, deduzimos que o que é verdadeiramente importante num jornal ou telejornal, como em qualquer outro negocio, é vender. Sendo o seu produto a notícia, torna-se assim necessário encontrar o modo mais sedutor de a apresentar. Não é assim difícil de perceber os abusos que se cometem e a exploração deprimente, por vezes até macabra, dos nobres sentimentos humanos. Temos ainda a crise financeira e os incontornáveis desenvolvimentos tecnológicos, que contribuem para aterrorizar este peculiar mercado, onde os cortes nos orçamento são cada vez maiores (o fim mais do que anunciado do verdadeiro jornalismo de investigação) e a urgência em resultados é ainda mais premente.
O nosso pequeno pais, onde todos se conhecem, permite-se ainda a certas promiscuidades assustadoras entre quem governa e quem relata. Como país brando e susceptível, aceita impunemente ataques sem substância a diversas individualidades, sem que se desencadeiem consequências visíveis para os prevaricadores, em virtude de leis desajustas e de um sistema judicial lento e caro.
Os media têm ainda o poder de definir e dominar a agenda política e social, de enaltecer ou exterminar os interveniente políticos, de determinar a relevância ou não de determinados assuntos, no fundo desfrutam da capacidade de colocar na boca dos cidadãos os temas que consideram mais vendáveis.
Evoco frequentemente o exemplo do Bloco de Esquerda, para demonstrar as forças deste poder: Qual era o verdadeiro significado deste partido no momento da sua formação? Talvez meia dúzia de pseudo-intelectuais, das várias esquerdas esquecidas e estagnadas no tempo, que exibiam orgulhosamente as suas t-shirts do Che. Apesar da sua pequenez, os jornalistas sempre acharam piada à constituição deste movimento de contestação  acolhendo-o simpaticamente, realçando de forma sempre excessiva as suas originais acções de campanha. A extravagância é novidade... logo é notícia. O destaque efusivo das suas iniciativas de rua e campanhas, foram sempre desproporcionais ao seu real peso político. Aproveitando então esta boleia, conseguiram eleger dois deputados. Curioso foi ainda constatar, que no período onde a sua representação parlamentar face aos outros partidos era residual, a sua presença em órgãos de comunicação era frequente (por vezes, muito superior à dos outros partidos), uma vez que muitas dessas participações eram justificadas pelas intervenções mais radicais, posturas mais revolucionárias e comentários de cariz mais provocante, sempre protagonizadas pelos seus capazes oradores. Hoje temos um partido (obviamente também com méritos próprios), que embora tenha nascido para ser apenas de reacção e sem vontade de ser de poder, hoje já sonha com ele. Será que o Bloco seria o que é hoje, se não tivesse tido este acalorado acolhimento por parte dos jornalistas?
Outro estanho fenómeno, que infelizmente se assiste cada vez mais, sobretudo no jornalismo de televisão (mas não só), é a vontade dos jornalistas desejarem, também eles, serem os próprios protagonistas. A nobre missão de ser somente o transmissor, tende a transformar-se em de comentador (ou de influenciador). Observemos, por exemplo, as peças jornalísticas que são transmitidas nos telejornais, onde é cada vez mais raro não observarmos a ironias no decorrer da reportagem, a conclusões opinativas ou a montagens deliberadamente intencionadas. Poderíamos até aceitar esta forma de jornalismo nos canais privados portugueses, desde que a sua orientação politica fosse devidamente conhecida e transparente (o que não acontece, todos aclamam a sua neutralidade). Mas o que é ainda mais grave e inaceitável, é assistirmos a este tipo de episódios no canal público.
A verdade jornalística a que antes recorríamos, para argumentar ou justificar, hoje já não tem esse valor. Mais perigoso ainda são os tiques de arrogância visíveis em alguns jornalistas, confiantes que o seu poder não tem limites, uma vez que são coadjuvados por uma justiça lenta e apática. Muito dos abusos cometidos, com a passividade do Direito, os estragos são muitas vezes irreparáveis.
A decadência jornalística também se revela nos casos de violação do segredo de justiça (através de divulgação de escutas ou documentos confidenciais), que são agora regularmente publicados e transmitidos. É verdade que a Justiça não se dá ao respeito, mas é essencial, para o seu bem-estar, como valor e garante máximo da estabilidade social, que essas informações não sejam divulgadas, sobretudo com a leviandade actual. Se certas investigações estão em curso ou em fase de análise, não podem no dia seguinte aparecer na capa de um jornal ou no telejornal das 20h. Mas enfatize-se que não é só condenável quem vende estas informações (sempre estranhei nunca existir uma verdadeira caça às bruxas, pelo menos que se saiba, pelas autoridades competentes, com o intuito de apurar as origens destas fugas de informação) mas também quem as publica. Fica a seguinte dúvida: quando se paga para obter uma informação deste tipo, os jornais ou televisões, recebem alguma factura?
Inverter esta realidade não é obviamente tarefa fácil. Jamais serei a favor de qualquer tipo de limitação das liberdades da impressa. Serei contudo defensor de uma maior regulação, não para realizar o trabalho vergonhoso da ERC, que se preocupa excessivamente com o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, mas que esta possa de uma forma ágil censurar e condenar todo o jornalismo realizado de forma pornográfica, sem fundamento ou investigação e que permita também impor a justiça, protegendo as vítimas dessa má conduta.


FM (00:41)

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

MENSAGEM DO VATICANO: a simplicidade na complexidade...

PONTIFICAL COUNCIL FOR INTERRELIGIOUS DIALOGUE

Christians and Muslims:
Together in overcoming violence among followers of different religions

MESSAGE FOR THE END OF RAMADAN

‘Id al-Fitr 1431 H. / 2010 a.d.

Vatican City

Dear Muslim Friends,
1. ‘Id Al-Fitr, which concludes Ramadan, presents, once again, a favorable occasion to convey to you the heartfelt wishes of serenity and joy on behalf of the Pontifical Council for Interreligious Dialogue.
Throughout this month, you have committed yourselves to prayer, fasting, helping the neediest and strengthening relations of family and friendship. God will not fail to reward these efforts!
2. I am delighted to note that believers of other religions, especially Christians, are spiritually close to you during these days, as is testified by the various friendly meetings which often lead to exchanges of a religious nature. It is pleasing to me also to think that this Message could be a positive contribution to your reflections.
3. The theme proposed this year by the Pontifical Council, Christians and Muslims: Together in overcoming violence among followers of different religions, is, unfortunately, a pressing subject, at least in certain areas of the world. The Joint Committee for Dialogue instituted by the Pontifical Council and al-Azhar Permanent Committee for Dialogue among the Monotheistic Religions had also chosen this topic as a subject of study, reflection and exchange during its last annual meeting (Cairo, 23 - February 24, 2010). Permit me to share with you some of the conclusions published at the end of this meeting.
4. There are many causes for violence among believers of different religious traditions, including: the manipulation of the religion for political or other ends; discrimination based on ethnicity or religious identity; divisions and social tensions. Ignorance, poverty, underdevelopment are also direct or indirect sources of violence among as well as within religious communities. May the civil and religious authorities offer their contributions in order to remedy so many situations for the sake of the common good of all society! May the civil authorities safeguard the primacy of the law by ensuring true justice to put a stop to the authors and promoters of violence!
5. There are important recommendations also given in the above mentioned text: to open our hearts to mutual forgiveness and reconciliation, for a peaceful and fruitful coexistence; to recognize what we have in common and to respect differences, as a basis for a culture of dialogue; to recognize and respect the dignity and the rights of each human being without any bias related to ethnicity or religious affiliation; necessity to promulgate just laws which guarantee the fundamental equality of all; to recall the importance of education towards respect, dialogue and fraternity in the various educational arenas: at home, in the school, in churches and mosques. Thus we will be able to oppose violence among followers of different religions and promote peace and harmony among the various religious communities. Teaching by religious leaders, as well as school books which present religions in an objective way, have, along with teaching in general, a decisive impact on the education and the formation of younger generations.
6. I hope that these considerations, as well as the responses which they elicit within your communities, and with your Christian friends, will contribute to the continuation of a dialogue, growing in respect and serenity, upon which I call the blessings of God!




Jean-Louis Cardinal Tauran 
President

Archbishop Pier Luigi Celata
Secretary

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

ESQUERDA(S) e DIREITA(S)

O principal e sempre verdadeiro objectivo dos partidos e dos políticos é alcançar o poder. Se para tal for necessário ocultar ou abafar alguns tiques ideológicos desconfortáveis, os seus líderes, sem relutância, o farão. Pensar em Direita ou Esquerda é cada vez mais oco. Não pretendo amputar desta reflexão os predicados morais e éticos, tal como procurou ensinar-nos Maquiavel, uma vez que considero que estes continuam presentes na própria natureza política do ser humano (pelo menos de alguns). As discussões doutrinais e ideológicas estão cada vez mais distantes das estruturas e dos diálogos internos dos partidos. As sociedades assentes em democracias liberais e economias de mercado estão excessivamente acomodadas, não se incomodando com estas questões.
Portugal não é obviamente excepção. Os eleitores que realmente decidem as eleições estão localizados no centro. São aqueles que orientam o seu voto entre o PS e PSD, de acordo com as circunstâncias do país e em função do líder apresentado. Não lhes interessa, genericamente a natureza ideológica do partido (se mais de Esquerda ou Direita), apenas desejam ver os seus reais problemas resolvidos.
Assistimos então, a um perigoso ciclo vicioso muito difícil de quebrar. Por um lado os partidos procuram a todo o custo vencer as eleições, focando essencialmente as suas acções em atrair o eleitorado móvel do centro, por outro os eleitores apenas desejam ver as suas dificuldades solucionadas, sendo-lhes indiferente qual a abordagem doutrinal a aplicar.
É certo que existem sempre algumas políticas de pormenor, usualmente anunciadas com destaque em comícios ou jantares dos próprios partidos, que servem somente para tentar assinalar as ditas diferenças e manter as bases satisfeitas e motivadas.
Mas no essencial, o que realmente impera é o politicamente correcto. A genuína luta ideológica e o profundo debate das problemáticas estruturais, se este rumo predominar, estarão condenados, transformando o combate político numa mera discussão de currículos e na fútil análise das individualidades, diferindo os partidos do poder, apenas por intermédio dos dotes públicos e dos atributos carismáticos dos seus lideres. É o triunfo da estética face ao conteúdo.
O vazio do recheio provoca um sentimento contagiante de extrema apatia. Parece que surgem sempre as mesmas soluções para os mesmos problemas e reforça-se a sensação que os partidos políticos quando adquirem o poder tornam-se receosos de assumirem as suas verdadeiras convicções e de abraçarem um cariz ideológico bem definido, sobretudo em áreas como a economia e justiça.
A esperança e o sonho deixam assim de fazer parte do texto, sobejando o imediatismo e o superficial. Os efectivos problemas continuam a exigir ponderadas decisões, assentes ora em fortes modelos doutrinários ora em linhas de pensamento devidamente estruturadas, mas cujas aplicações são dolorosas, penosas e com elevados custos políticos, uma vez que os seus efeitos só são verificáveis a médio/longo prazo e os eleitores são geneticamente impacientes.
Neste insípido contexto, surgem então os supostos evangelizadores doutrinários, ou seja, os partidos mais pequenos sem alegada vocação de poder (a não ser por intermédio de coligações), que procuram enaltecer as suas matrizes ideológicas, invocando a defesa de algumas temáticas de forte vocação doutrinal.
Curiosamente, contrapondo inclusive a primeira parte da argumentação, tem-se verificado que em alguns países europeus (incluindo o nosso) estes nichos tendem a crescer. As populações cansadas dos discursos politicamente correctos e de comprarem sempre o mesmo tipo de produto que já não satisfaz as suas necessidades, começam a procurar alternativas bem diferentes, radicalizando inclusive as suas escolhas, optando por formas mais arrojadas e aparentemente mais refrescadas. O problema desta dualidade, reside no extremismo da própria doutrina. No fundo os partidos de centro tornam-se incaracterísticos, transmitindo uma imagem de distanciamento relativamente a qualquer ideologia, deixando esse campo para os partidos mais pequenos. Os eleitores, sedentos de novas opções, recorrem então às velhas ideologias, mas agora só as encontraram nestes partidos, que tendem a radicaliza-las.


FM (17:15)

terça-feira, 27 de julho de 2010

"vamos rir pois. O riso é um castigo; o riso é uma filosofia. Muitas vezes o riso é uma salvação. Na política constitucional o riso é uma opinião"

in As Farpas: Crónica mensal da Política, das Letras e dos Costumes





O PODER DA RELIGIÃO

O poder das religiões, alicerçado pelo permanente diálogo com o divino, reside antes de mais, na força desenvolvida no íntimo de cada crente e em especial na sua dimensão mística, que coabita com um conjunto de valores, princípios e condutas emanadas que são consideradas universais.
A “racionalidade irracional” que se assume nesta relação com Deus provoca, por vezes, acções de magnitude exacerbada e de intolerância. A fé como dado absoluto e próprio, gesticula tiques de uma posse colectiva, originadoras de grupos de acção julgadores da verdade incondicional.
Com o fim dos dogmas políticos, quase religiosos, dos tempos da segunda guerra mundial e da Guerra fria, o panorama mundial alterou, para de novo ir procurar energias e razões ao mundo da religião.
Assim, invocando diversas origens de motivações, os grandes movimentos mobilizadores e catalisadores, provêm do mundo de Deus (ou contra Ele), criando inúmeras falsidades e demonstrando profundas ignorâncias.
Noto que não pretendo cingir estas considerações apenas aos presumíveis fanatismos religiosos ou a um confronto entre as religiões, refiro-me também aos ataques desmedidos contra os movimentos de fé em geral, como nos relata George Weigel, na sua obra, O Cubo e a Catedral, onde somos alertados para uma Cristofobia cada vez mais evidente na Europa, resultado dos excessos de um secularismo apresentado como fonte de verdade.
Neste contexto, é primordial ententer como se pode integrar o conceiro de cultura (como identidade colectiva), como fenómeno que se liga e desliga com facilidade da religião.

“...poderá caracterizar-se a civilização da uniformidade técnica como uma cultura, no sentido das grandes formas de cultura que cresceram nos diferentes espaços vitais da humanidade? E poderá a fé inculturar-se simultaneamente num e outro espaço cultural? Qual é, então, a identidade que em si a fé deve manter?”


Joseph Ratzinger, Bento XVI

Como se estabelece a fronteira entre o que é do domínio da religião ou da cultura? Será que se consegue dissociar os valores judaico-cristãos da cultura europeia, como se pretende no tratado de Lisboa? Será que podemos pegar em modelos seculares europeus (por vezes até excessivos) e implementá-los friamente nos Estados árabes de influência muçulmana? Será que o problema do médio Oriente é uma mera questão religiosa? Ou será cultural? Ou meramente politica? Ou uma espécie de simbiose das três? 


FM 

PRESIDENTE DA REPÚBLICA: a estabilidade na arte da negação

Artigo 120.º
Definição
O Presidente da República representa a República Portuguesa, garante a independência nacional, a unidade do Estado e o regular funcionamento das instituições democráticas e é, por inerência, Comandante Supremo das Forças Armadas.

Constituição da República Portuguesa (revisão 2005)

Iniciará em breve a campanha eleitoral para o mais elevado cargo politico nacional. Momento indicado, para se reler os artigos da constituição (130.º ao 140.º) que se referem às competências do Presidente da República. Da sua leitura afere-se, facilmente, sobre as claras limitações do cargo, impondo-se então as seguintes reflexões: O que é que ainda nos motiva a sair de casa num certo Domingo, para ir votar no próximo “Chefe” de Estado? Fará ainda sentido manter este cargo institucional?
Sabemos que aquele homem ou mulher pouco poderá acrescentar à política real quotidiana do país. O seu verdadeiro e mais importante domínio, revela-se na garantia simbólica de estabilidade. Pode, contundo, em qualquer momento evidenciar um forte protagonismo na cena política, infligindo o seu supremo poder, curiosamente de bloqueio e não de continuidade.
Nos últimos 30 anos, tivemos apenas quatro presidentes, o cumprimento de dois mandatos, permitidos pela constituição, tem sido a regra, oferecendo um elevado grau de solidez e prestigio ao cargo. No entanto, estes estadistas, não têm conseguido transpor essa estabilidade para a acção governamental, missão que também lhes é incumbida pelos eleitores, tendo inclusive, contribuído, por diversas vezes, directa ou indirectamente para a sua própria destabilização.
Adicione-se ainda outra consideração respeitante aos mandatos, para constatar que os primeiros, de todos os antigos presidentes, foram sempre bem distintos, em forma e em conteúdo, se comparados com os segundos, ou seja, após a sedução e diplomacia dos primeiros cinco anos, só no novo ciclo é que conseguimos cotejar sobre a verdadeira personalidade política e sobre os reais intentos programáticos.
Independentemente das mais diversas ponderações sobre quais deveriam ser as suas competências e apesar do que foi previamente mencionado, é indiscutível que esta figura goza ainda de uma enorme respeitabilidade.
O cidadão comum sente uma ligação mais próxima com o Presidente da República do que com qualquer outra figura institucional. Esta proximidade justificada, em parte, por se tratar do único cargo em que se vota directamente na pessoa e não num partido, mas também porque o povo sente que este “monarca republicano”, apesar da sua evidente limitação de poderes, é o guardião das liberdades e o último recurso contra eventuais abusos do governo. No fundo é como se fosse um de nós num lugar de influência.
Os eleitores contam com ele para ser o seu interlocutor com o governo, para tentar no âmbito dos seus domínios institucionais, ser a voz do equilíbrio e da harmonia, para ajudar a promover, a incentivar e a libertar a sociedade civil e como observador privilegiado da actividade governamental, através do poder da palavra, para comentar, alertar e denunciar todas as matérias que considere fundamentais.
Mas algo terá que ser repensando e adaptado, caso contrário, com o tempo, a empatia social tenderá a desvanecer e todo o prestígio adquirido tenderá a ser ofuscado, transformando esta função, apenas, em mais um símbolo nacional.
Apesar de alguns episódios pitorescos, é inegável que o sistema político português tem vindo a amadurecer. De uma forma geral, creio que os portugueses estão cansados das permanentes alternâncias. Desejam continuidade e estabilidade das políticas, pretendem verdadeiros compromissos de Estado, transversais a várias legislaturas, que procurem encontrar soluções eficientes e assertivas.
Respondendo a este estado de alma, é essencial que o Comandante Supremo das Forças armadas detenha reais mecanismos para promover a estabilidade, que consiga ser de facto mais preponderante na capacidade de influenciar o governo e que possa ser verdadeiro desde o primeiro dia, ou seja, que não utilize os primeiros cinco anos para campanha eleitoral.
Não sustento contudo qualquer alteração profunda ao nosso actual sistema. Os povos precisam de várias décadas para assimilar os seus próprios regimes. Não é aconselhável, a meu ver, infligir revoluções que pretendam substituir de uma forma radical o que já existe.
Por convicção, sou adepto de um regime Presidencialista, por considerar que estes sistemas, além de serem mais dinâmicos, mais eficazes e mais estáveis, promovem uma maior identificação com a personalidade no poder, transmitindo a sensação de maior respeito e credibilidade. Porém, sendo o nosso actual sistema fruto dos revolucionários tempos de Abril, será difícil construir um novo paradigma, assente numa figura institucional que transpire demasiado poder e liberdade de acção.
Acredito que existe possibilidade de corrigir alguma das lacunas, sem interferir pesadamente no actual status quo. Defendo assim um único mandando, mais longo, de sete ou oito anos, que permita honestidade, transparência e coragem desde o primeiro dia. Nas áreas da defesa e das relações internacionais, o Presidente da República, deverá ver os seus domínios amplamente reforçados, absorvendo inclusive alguns dos poderes que neste momento são atribuídos ao governo. Tendo em conta que estas são matérias de elevado grau de sensibilidade, não se podem resumir ao período das legislaturas, carecem de estabilidade e de durabilidade, uma vez que podem colocar em causa a nossa credibilidade internacional e os mais altos interesses estratégicos. Admito ainda no que diz respeito à questão da corrupção, em órgãos públicos, o PR, deveria ser munido de mais armas para as poder denunciar e combater. No que diz respeito às nomeações (ou indicações), para empresas ou lugares públicos, que neste momento são da competência dos governos, creio que dentro do razoável, dever-se-ia transitar parte delas para a esfera do poder do Presidente da República. Admito ainda que relativamente aos grandes compromissos de Estado, definidos pela Assembleia, deverá este ter a capacidade de regulá-los e ser o garante das suas execuções. 
A premência de tentar reequilibrar melhor os poderes entre os órgãos de soberania é manifesta. Sustento que mesma, não deverá ser efectuada com alterações profundas do regime, ou seja, não devemos caminhar nem para um regime presidencialista nem para um regime parlamentar. A meu ver será mais vantajoso aproveitar os actuais predicados do sistema, realizando somente alterações focadas e dedicas, tentando assim corrigir as insuficiências actuais, alcançando o ambicionado, sem perturbar a sociedade. 


FM (20:06)