terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Soft Power?

Compreender as complexidades da política internacional contemporânea é, antes de mais, procurar apreender a panóplia de princípios ideológicos e o sistema de valores, sobre os quais os Estados são criados, se regem e desenvolvem as suas diplomacias.
Estudar estas dinâmicas, é a arte de observar o mundo sobre um prisma próprio, com o intuito de arriscar descortinar as suas controversas interacções, considerando sempre as mais diversas premissas, perspectivas e realidades.
Desse modo, após a absorção das tais ideologias, é ter a capacidade de compreender o palco internacional, sem recurso a utopias e a teorias conspirativas que ajudam somente a intoxicar através da estética, descartando o essencial. Perceber as práticas, as relações e as diplomacias, é fundamental para a escolha mais acertada das políticas internacionais a adoptar que se desejam assertivas e convincentes.
A incontornável globalização, fomentada pelo comércio e pelas tecnologias, permite encolher o mundo, o que possibilita uma facilitada comunicação entre todos os povos, crenças e costumes. Entender estas variantes, possibilita o evidente objectivo de encontrar as melhores soluções de diálogo e relacionamento, aspirando nunca colocar em causa os valores e hábitos divergentes.
O mundo Ocidental, com maior evidência na Europa, atravessa uma profunda crise civilizacional e de valores. Esta condicionante, gerada pela recusa e negação das suas próprias bases e tradições, cria notórias incapacidades de promover uma politica internacional consistente, credível e catalisadora. Situação que gera tremendas apatias na hipotética tentativa de exteriorização de altos, respeitáveis e exemplares padrões.
A fascinante ebulição no mundo actual, capta a atenção para outras problemáticas, como a afirmação de novos protagonistas económicos, a crise e as suas respostas, os confrontos culturais, religiosos e seculares, o dilema da reacção ao terrorismo e as indispensáveis questões ambientais, dos recursos naturais e da sobrevivência do planeta, todas elas reguladas pelas ligações entre Estados e das suas habilidades diplomáticas. 
Perante este actual cenário internacional de enormes dificuldades, mas de estimulantes desafios, fará ainda sentido realçar o “soft power”, uma vez que existem mais e diferentes pólos de influência? Será que sem o efectivo poderio militar todos os esforços de evangelização são reduzidos a uma utopia de intenções e não de soluções? Será que o 11 de Setembro, o antiamericanismo e o anti-ocidentalismo, evidenciaram que o “soft power” não oferece qualquer solução? Ou pelo contrario, as reacções militares, demonstraram que sem a ajuda do poder suave, não será possível erradicar o terrorismo?


FM (9:30)

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Avante Camarada! (2)

Os comunistas não se distinguem apenas pelos seus elevados objectivos e pela sua acção revolucionária. Distinguem-se também pelos seus elevados princípios morais.
Álvaro Cunhal




Afirmava Álvaro Cunhal, num dos seus ensaios que “os traços essenciais, o socialismo tal como existe na União Soviética e noutros países socialistas é o ideal de luta de todos os explorados e oprimidos, é a prefiguração do eu próprio futuro. Não se trata já de uma previsão teórica, como foi antes de 1917. Trata-se de uma aquisição histórica, da maior realização e da maior conquista do proletariado internacional, com um poder de atracção e de convencimento mil vezes superior ao da mais bela das utopias1
Desvendar qualquer hipotética moral do actual Partido Comunista Português, é desvendar a moral do Partido no momento da sua fundação. A estética do tempo não ocultou, nem pretendeu ocultar, o conteúdo de sempre.
O partido do Comité Central, é o exemplo vivo da moral comunista, que anteriormente procurei descortinar. Representa de uma forma inequívoca os seus valores, a suas pretensões e as suas vontades. É um partido que aguarda pelo seu momento para poder ditar o rumo da história. É um partido que anseia pela revolução do proletariado.
O PCP não esconde que a visão idealizada por Marx e Lenine, é “uma concepção do mundo, uma politica e uma ética2. Sendo que esta perspectiva é intrínseca à própria conduta do partido, visível nos seus estatutos, programa e orgânica. A moral comunista é o embrião sobre o qual se desenvolve toda a actividade partidária e politica.
O olhar relativamente às percepções morais históricas, à necessidade de uma certa educação, ao papel da religião e ao seu nobre sentimento revolucionário, não mutaram com o desembrulhar do tempo. O desejo de validar universalmente o seu conceito de moral, continua presente nos espíritos de todos os camaradas.
A melhor forma de perscrutarmos a génese, o pensamento e os ideais de um partido é recorrermos ao seu Programa e Estatutos.
O primeiro, logo na sua introdução, podemos aferir sobre os intentos do partido, que “tem como objectivos supremos a construção do socialismo e do comunismo - de uma sociedade nova liberta da exploração do homem pelo homem, da opressão, desigualdades, injustiças e flagelos sociais, sociedade em que o desenvolvimento das forças produtivas, o progresso científico e tecnológico e o aprofundamento da democracia económica, social, política e cultural assegurarão aos cidadãos liberdade, igualdade, elevadas condições de vida, cultura, um ambiente ecologicamente equilibrado e respeito pela pessoa humana3.
Descreve-nos também a intenção de construir o comunismo, que em traços gerais, corresponde à moral previamente apresentada. Contudo subsiste a dúvida, devido à sua ambígua enunciação, sobre que tipo comunismo se pretende construir.
Aferimos ainda que a base teórica é a marxista-leninista e que o processo revolucionário, iniciado em Abril de 1974, está inacabado. A sua moral, os seus valores, e os seus propósitos, exalta o programa, ainda triunfarão. Descreve-nos a sua admiração pela ex-URSS e a sua crítica relativamente aos regimes imperialistas, que atentaram contra os reais interesses do povo.
Nos Estatutos, são reafirmadas e de novo impressas as noções do Programa, destacando também o papel do partido na evangelização da moral e na implementação das verdadeiras aspiração comunistas.
Estes dois documentos evidenciam que a moral comunista traçada por Marx, Engels e Lenine, continua presente no espírito e nas consciências dos comunistas portugueses.  
Os comunistas acreditam que são dotados de qualidades morais superiores, mas também acreditam que chegará o dia em que todos os seres serão contagiados, através de um processo natural, por essa moral. A revolução... ou melhor, o resultado da verdadeira revolução, iluminará o espírito da humanidade, e quando esse dia chegar, terminarão as injustiças e as desigualdades.
Esta moral, alega que as suas raízes estão assentes em evidências cientificas, transformando essa premissa na sua força. Por esse motivo, acreditam numa lógica de desencadeamento natural de acontecimentos, que permitirá o reconhecimento desta moral como superior a todas as outras.
O Partido Comunista Português segue esta lógica. Acredita que a revolução de Abril foi o iniciar do processo revolucionário do proletariado e que este foi de certa forma contrariado, mas que um dia retomará o seu curso.
Apesar da narrativa muitas vezes ambígua e vazia (necessária aos nossos moderados tempos) patente nos documentos oficiais, o partido não ignora as suas raízes e a sua base moral.
Subsiste então a dúvida: E se o PCP vencesse as eleições... honrando a sua moral... quais seriam as primeiras medidas que desencadeariam, de forma a completarem o seu compromisso ideológico?    



1 e 2) IN Álvaro Cunhal, “A Superioridade Moral dos Comunistas”;
3) IN Programa do PCP 


FM (19:45)

Avante Camarada! (1)

“Ideas are more powerful than guns. We would not let our enemies have guns, why should we let them have ideas.”
Joseph Stalin



Vladimir Lenin – ...  reitero sem qualquer hesitação, esta é a verdadeira moral. Aquela realça o Homem pelos meios de produção.

Complexos&Contrastres – Mas qual é a base, quais são os elementos que fundamentam essa moral comunista?

Vladimir Lenin – Esta moral, ao contrário das demais, assenta a sua validade na ciência, ou seja, é demonstrada com bases cientificas sólidas e inquestionáveis.

Complexos&Contrastres – Defende então que a razão do tipo formal, defendida por outros autores como Kant, deve ser substituída por um género de razão material?

Vladimir Lenin – Claro! O materialismo histórico é a verdadeira lei das ciências sociais, que coloca em causa as concepções idealistas da moral. A velha percepção do que é bom ou do que é mau, ou as arcaicas temáticas da consciência do dever moral, apenas compatíveis com a origem divina da moral, são meras fantasias. A genialidade de Marx, manifesta no seu conceito de materialismo histórico, permite-nos assimilar de uma forma positiva e evolutiva a ideia de conflito, resultante das ebulições ocorridas nas sociedades burguesas. Esta antítese que por sua vez desencadeará a síntese, ou seja, o comunismo, tem como base uma História de conflitos sociais, isto é, decorre, numa primeira fase, das desigualdades sociais. Marx acrescenta ainda que é o materialismo que explica a consciência e não o seu contrario, ou seja, e recorrendo às suas sábias palavras, "Assim como não se pode julgar um indivíduo pela ideia que ele faz de si próprio, também se não pode julgar uma tal época de revoluções pela consciência que ela tem de si mesma. Pelo contrário, é preciso explicar esta consciência pelas contradições da vida material, pelo conflito que existe entre as forças produtivas sociais e as relações de produção..."1.

Complexos&Contrastres – ... está a descrever, segundo percebi, uma moral que nasce de uma atitude de oposição, ou se preferir de reação, e é esse movimento de tensão que irá criar esta moral? Para si, portanto, associar a boa conduta, ou melhor, estabelecer a relação entre a bondade intrínseca de uma acção com a moral em si, não é possível? Dito ainda de outra forma, a moral, que prescreve um bem universal, que determina o agir, para si não faz sentido?

Vladimir Lenin – Não. Não posso aceitar essa moral definitiva e vaga, que se pretende transversal, eterna e absoluta.  O conceito do bom e do mal, varia e difere de época para época. Já dizia Engels, “a moral verdadeiramente humana, que se elevará acima das contradições e das reminiscências de classes, só será possível na etapa do desenvolvimento social em que o antagonismo das classes tenha sido não apenas eliminado, mas em que até os seus vestígios tenham desaparecido da vida prática2. Esta estrondosa frase, salienta de uma forma clara, os antagonismos morais existentes no seio da sociedade.

Complexos&Contrastres – A moral comunista é portanto um resultado... estabelece-se apenas após um certo movimento e num determinado momento... Ou seja a ideia, e desculpe a insistência, de uma lei moral, de uma lei moral universal... é algo que para si não se reveste de força em si mesmo?

Vladimir Lenin – Força? A força da verdadeira moral é apenas alimentada pelo sentimento revolucionário. Esse é o genuíno desejo de todos os membros das classes exploradas, e que irá determinar, por sua vez, a conduta basilar desta Ética. Com isto quero dizer, que é apenas no ambiente revolucionário que se emancipará a moral. Mas não pense que irá ocorrer um processo de dissolução do indivíduo, ocorre sim uma elevação das vontades individuais, de forma a criar uma única vontade colectiva.     

Complexos&Contrastres – Pelo conteúdo e pelo ênfase das suas palavras, posso depreender que essa moral científica, como lhe chama, apresenta um carácter inequívoco de superioridade face às outras formas de moral...

Vladimir Lenin – Sim... é claro que existe essa superioridade moral. A arquitectura cientifica, sobre a qual se alicerça a moral comunista, entende que o aparecimento da moral proletária, nascerá no interior da sociedade capitalista. A moral burguesa até então dominante, não só será substituída, como será destruída. Essa moral dos capitalistas é dominada pela exploração sem princípios do homem pelo homem. Onde a única certeza é o roubo... ou roubo que eu faço, ou roubo que eu sofro. Onde ou se é escravo ou se é senhor. Ou seja, esta triste moral burguesa, o Homem apenas pretende ter algo para si, e não tem qualquer interesse por tudo o resto. É o mesmo que dizer, se eu estou bem, se eu tenho riqueza, o que me importa se outro está a morrer à fome.  É uma moral embriagada pelo egoísmo e pela insensibilidade, procurando apenas o seu bem-estar de poucos, sendo indiferente ao destino humano como um todo. A moral burguesa, é o catalisador para o despertar da nova moral, o despertar da grande moral... a única e verdadeira moral comunista, que entende o proletariado, e corresponderá às suas pretensões e intentos.

Complexos&Contrastres – Mas nesse cenário onde já existe uma forma de moral dominante... como que é sua moral se irá impor?  

Vladimir Lenin – Surgirá de uma genuína luta anticapitalista, que despoletará uma maciça difusão real e espiritual. Todo este enredo, desencadeará num óbvio desfecho... a grande revolução do proletariado.

Complexos&Contrastres – E essa revolução... esse momento de jubilação comunista, pode ser descrito de que forma?

Vladimir Lenin – Como a fonte de libertação. Uma libertação de todas as formas de exploração, como o egoísmo, a extorsão ou de destruidores sentimentos amorais.

Complexos&Contrastres – Estamos então, no seu ponto de vista, perante um novo tipo de moral, que se irá impor naturalmente e que surgirá da espontânea vontade da maioria e que ocorrerá de uma forma genuína...

Vladimir Lenin – Certamente. É uma moral completamente nova! Difere de todas as outras, uma vez que apresenta um novo recheio e pretende algo diferente. A nossa moral, começa logo pela redefinição, ou para ser mais correcto, pela eliminação da noção de propriedade privada, protegida pela lei do Estado, que é também objecto dos burgueses e quem tem, inclusive, uma certa conotação, como bem sabe, religiosa. Enquanto que na moral, que eu defendo, tudo se destina a fortalecer a propriedade socialista colectiva, ou seja, após a eliminação dos caprichos dos exploradores, a propriedade colectiva, protegida pela moral comunista, permite o estabelecimento de relações de interdependência social, pautadas por ambições, desejos e fins comuns. Vamos ainda mais longe. Embebidos neste espírito de união, diremos não ao Estado. Uma vez que o Estado, como Estado, apenas serviu, historicamente, para satisfazer as classes economicamente mais poderosas. Citando, uma vez mais, o meu camarada Engels: “A sociedade, que reorganizará a produção na base de uma associação livre de produtores iguais, enviará toda a máquina do Estado para o lugar que lhe corresponderá então: museu de antiguidades, ao lado da roca de fiar e do machado de bronze.”3. Estamos perante uma revolução a todos os níveis. Quando o momento for o apropriado e a vontade imperar na maioria, isto é, quando ocorrer a mutação socialista na sociedade, acontecerá também uma transformação no sistema moral. Quando o Comunismo triunfar, assistirá a uma solidariedade nunca observada entre os homens, será uma relação pura, uma vez que homens estarão finalmente livres das amarras, dos preceitos, dos antagonismos, dos valores, das ideologias e das tradições, que os estrangularam e os oprimiram até então. Será o triunfo da humanidade, absorvida pelos sinceros sentimentos da amizade, da generosidade e da coesão, o que permitirá fortificar as nações e possibilitará estabelecer verdadeiras relações entre elas. Mas esta moral colectiva vai ainda mais longe, uma vez que abdica, por completo, da aquiescência da religião. Sejamos honestos, a religião sempre foi algo instrumental nas mãos das classes dominantes, nas classes exploradoras. Essas classes incapacitadas de difundir uma moral de aceitação geral, recorrem à religião para de alguma forma amortecer as tensões sociais. É uma religião que apenas introduz humildade e paciência, como reacção à miséria e subjugação à burguesia. É uma religião que promete a felicidade extraterrena, de forma a compensar o sofrimento terreno. A moral comunista, por seu lado, goza de uma aceitação global. E sabe porquê? Porque além de estar baseada em princípios sinceros, sustenta-se em verdades científicas que são inquestionáveis e indesmentíveis, e como tal, o escravo, pela primeira vez, deixa de ser escravo e já não precisa de contentar-se com a implacável repressão.

Complexos&Contrastres – Pelas suas palavras, todos os bens, princípios e verdades, são de origem humana. A ideia de uma Felicidade que só poderá ser assegurada por Deus, independentemente da forma como eu aja, não é compatível com a sua visão... ou dito de outra forma... a sua moral ignora a existência de um ser que recompensará as nossas acções... ou entendi mal?

Vladimir Lenin – Entendeu bem! Algo belo nasce com o despertar desta moralidade. O bem pessoal é absorvido pelo bem comum. Isso significa a fusão entre os interesses pessoais e o interesse social. Sei que me dirá que nas sociedades, com outras morais, também existem interesses comuns, como por exemplo, quando se trata de proteger a soberania nacional... porém não deixam de ser interesses passageiros, uma vez que quando o perigo se dissolve, o interesses uma vez mais se separam. Esta sensação de parte integrante, este sentimento de união, repercute-se naturalmente em todos os domínios da sociedade. A nível económico, ou melhor, a nível da capacidade de trabalho, temos uma multidão solidária, que ajuda os menos capazes a chegarem aos melhores, contrapondo o nefasto sentimento de concorrência. Só inspirado com a esta moral, é que a motivação e a produtividade, de uma sociedade, poderá alcançar níveis de tal forma elevados que nunca antes haviam sido sonhados, permitindo assim o rápido progresso e um desenvolvimento na qualidade social. Sendo este o único e verdadeiro propósito. O comunista subordina-se à vontade colectiva, abnega de causas particulares e desprende-se de todos os bens materiais.

Complexos&Contrastres – E essa seria a Felicidade... muito bem... curiosa ideia... mas não nos desviemos...  como surge, como é que é facilitada e cimentada essa moral? Uma vez que não acredita, por exemplo, no Kantiano imperativo categórico...

Vladimir Lenin – Através da educação. Esta moral deverá ser ensinada desde cedo aos jovens, de forma que entendam que ser comunista não se resume a uma panóplia de objectivos políticos, ser comunista é uma forma de respirar, sentir e viver muito diferente das demais. Não podemos assim, permitir que valores ou maneiras de pensar diferentes, logo opostas, corroam ou contaminem a verdadeira moral. Depois de implementada, a moral comunista deverá combater as falsas morais, não permitindo que certas influências negativas, como a noção de propriedade privada, ganhem qualquer tipo de expressão. Esta educação será necessária enquanto, "os homens não se tiverem habituado progressivamente a respeitar as regras elementares da vida em comum, já há séculos conhecidas, repetidas há milénios em todos os tratados sobre moral; enquanto não se acostumarem a respeitar sem imposição, sem submissão, sem o uso de aparelho especial de coerção, chamado Estado4. O sucesso desta educação é sinónimo do prestigio do partido. Acrescento ainda... sem qualquer complacência, “a conduta moral dos comunistas não é um problema privado, que diga apenas respeito a cada qual5.

Complexos&Contrastres – Moral criada pelos homens e ensinada pelos homens...

Vladimir Lenin – Compreendendo que a minha retórica lhe possa causar estranheza. Até alguma incapacidade de aceitação. Os professores burgueses usualmente apresentam-se contrários ao materialismo filosófico. Mas a ciência é ciência meu caro, é simplesmente algo que não permite contestação. Nós sabemos que “o ideal não é senão o material transposto e traduzido no cérebro humano6. Ou seja o pensamento e a consciência provém do cérebro humano, por sua vez o homem é produto da Natureza, e como tal, só a correspondência, só a conexão e só a interdependência dos homens, dos seus cérebros e consequentemente dos seus pensamentos e consciências, poderá fazer sentido. 

Complexos&Contrastres – Significa então que a felicidade, o bem, o propósito, o saber agir... é tudo justificado pela vossa ciência, pela vossa moral que é exclusivamente humana... ou seja a divindade não tem qualquer lugar na vossa moral?

Vladimir Lenin – Não. O conceito de perfeição, ou se preferir, o conceito do sagrado, que seria uma espécie de receptáculo da moral, não coexiste com a nossa concepção. A regeneração moral é levada à cabo por homens sofredores, sofredores de uma regime burguês, que dissecou os seus espíritos e as suas vontades. Os homens melhor preparados a nível moral serão absorvidos, porque querem ser absorvidos, pelo partido. Serão eles... unidos pelo mesmo conceito de moral, que desencadearão este processo revolucionário em conjunto com outros, que embora possam não estar no mesmo plano de preparação, mas no seio da convivência do partido, saberão actualizar-se e aperfeiçoar-se e ultrapassar todas as eventuais debilidades dos seus espíritos corrompidos pelas classes exploradoras...



1) IN Karl Marx, “O Capital”;
2) IN Karl Marx e F. Engels — "Obras”;
3)  IN F. Engels, “A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado”;
4) IN V. Lenine, "Obras";
5) IN Blog As “Palavras são armas”;
6) IN Karl Marx, “O Capital”;




FM (18:32)

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Bom Selvagem...

Será possível imaginar um mundo onde a Natureza finalmente se rende aos caprichos e desejos infinitos do Homem. Será possível imaginar uma época onde as pessoas são desenhadas biologicamente e psicologicamente moldadas.  Será possível imaginar um futuro onde a sociedade e as suas complexas interacções são programadas e pré-estabelecidas. Será possível imaginar uma sociedade... sem humanidade.
Pode até parecer, mas não estou a descrever nem o enredo de filme de ficção cientifica de baixo orçamento, nem a idealizar uma sociedade onde a moral comunista finalmente triunfaria.
O Homem sempre se fascinou a fantasiar sobre cidades e sociedades futuristas. Devaneios essencialmente literários que conjecturam realidades onde finalmente a Natureza seria submissa, onde a genética seria dominadora e onde os homens seriam os controladores da educação, os arquitectos do equilíbrio social e os artesãos das emoções e dos valores.
Sonhos e utopias do passado que hoje se mutam em quase verdades. As descobertas e propostas da ciência, sempre mirabolantes, permitem diariamente antecipar esse futuro. 
Novidades que provêm das diversas áreas da ciência, mas entre elas, talvez se evidencie, a revolução que se observa no ramo da genética. Alvoroço esse que certamente provocará, uma vez mais, tensões sobre os valores considerados basilares das nossas sociedades.
O futuro da biotecnologia promete uma realidade sem limites. Atribuirá poderes ao ser humano, que se não forem devidamente regulados e controlados, podem corromper, alterar e destabilizar a compaixão intrínseca da nossa própria humanidade, condição que teimosamente ainda validamos como princípio universal e como qualidade distinta de todos os outros seres.
Embora muitos humanistas exclamam que “o Homem não é livre para renunciar à sua qualidade de homem”, as técnicas hoje conhecidas irão destabilizam a ordem social aprendida.
Brevemente, poderemos vir a ter a o poder de selecionar exactamente o tipo de filho que desejamos, ou seja seremos dotados da capacidade de escolher não só a sua constituição física (cor do seu cabelo, a cor dos olhos, altura, etc.) como também o a sua personalidade e atributos psíquicos. Num futuro, talvez não muito distante, seremos capazes de introduzir todo o tipo de “upgrades” nos nossos organismos, criando, por exemplo, os ficcionados super-atletas. Mas será que esta arte de desenhar os filhos ou criar seres perfeitos não coloca em causa a nossa própria humanidade? Será que não estamos a liquidar o Amor? Ou será o amor um dos atributos que também podemos moldar?
Nestas palavras não pretendo censurar os fantásticos avanços da Ciência. No entanto temos que estar conscientes que a ampliação dos horizontes e fronteiras destas novas técnicas irão desencadear uma profunda reflexão. Creio que estaremos brevemente, talvez mais cedo do que cogitámos, na presença de descobertas que poderão questionar toda a existência humana.
Conquanto estes avanços possam ser de facto extraordinários, não podem deixar de inundar os espíritos com receios e dúvidas, uma vez que tudo aquilo que é mais profundo e humano passará a ser questionável.
As demais narrativas de ficção científica apresentam-nos sociedades futuristas dominadas pelos efeitos do desenvolvimento extremado da biotecnologia. Muitos autores descrevem-nos comunidades planeadas com o máximo detalhe, onde a poesia, a admiração, o desejo, o encantamento e a contemplação são meros acessórios, sendo introduzida uma falsa felicidade (mental e física), desprovida de paixão e Amor natural. Observamos inclusive a uma adaptação dos paradigmas sociais de forma a satisfazer a inovação da ciência. Provavelmente todo estes cenários são apenas meras fantasias e jamais presenciaremos a um espírito ideológico semelhante, contudo estão lançados os alicerces que conduzem a uma complexa reflexão sobre o futuro da moral.
Ignorando agora todas as retro conjecturas, o que se apresenta como inegável é o incremento desmedido do poder que o ser humano diariamente adquire na sua capacidade de dominar a Natureza. Será que estamos dispostos a revolucionar toda a nossa existência? Será que desejamos um exército de bebés clones, louros de olhos azuis, obedientes e fisicamente semelhante a Hércules?
O que fariam Estaline e Hitler se tivessem no seu tempo tamanho poder? Sem dúvida utilizaram esta arma para dominarem, moldarem e influenciarem toda a vivência política e social, sempre assentes nas suas doutrinas totalitárias e filosofias utópicas, ignorando os desejos e vontades espontâneas.
Provavelmente será prematuro divagar sobre as reais potencialidades da biotecnologia. Neste momento, perante todas as incertezas, não é fácil definir o que é moralmente correcto ou incorreto e é ainda é mais difícil determinar quais podem ser as suas fronteiras ou limites.
Elevar e defender a nossa humanidade serão os factores decisivos no momento de estabelecer as regras para os possíveis alcances na biotecnologia. Humanidade essa presente em todos os nossos actos, desde a capacidade de amar o nosso filho como ele realmente é (e não criado por nós como um objecto) até à compaixão de deixar partir alguém e sofrer com essa dor.



FM (17:46)