quinta-feira, 23 de setembro de 2010

“EXTRA, EXTRA, READ ALL ABOUT IT…”

Como seria um mundo sem os media?
A natureza humana é composta por um vasto conjunto de predicados. Um deles é a coscuvilhice.
E assim nasceu a imprensa... bom... talvez não tenha sido assim!
A liberdade de imprensa é um fortíssimo poder criado pelos cidadãos, indiscutivelmente necessário para a existência de democracias sãs e de sociedades sem receio.
No entanto, aquilo que se pretendia como algo saudável e bem intencionado, atingiu contornos excessivos, com tendência clara a ser agravado e exacerbado.
Hoje, a fronteira entre o que é entretenimento e informação, resume-se a uma linha excessivamente ténue. Sejamos realistas... os media são empresas, estas têm que dar dinheiro e satisfazer os seus accionistas, prosseguindo esta lógica, deduzimos que o que é verdadeiramente importante num jornal ou telejornal, como em qualquer outro negocio, é vender. Sendo o seu produto a notícia, torna-se assim necessário encontrar o modo mais sedutor de a apresentar. Não é assim difícil de perceber os abusos que se cometem e a exploração deprimente, por vezes até macabra, dos nobres sentimentos humanos. Temos ainda a crise financeira e os incontornáveis desenvolvimentos tecnológicos, que contribuem para aterrorizar este peculiar mercado, onde os cortes nos orçamento são cada vez maiores (o fim mais do que anunciado do verdadeiro jornalismo de investigação) e a urgência em resultados é ainda mais premente.
O nosso pequeno pais, onde todos se conhecem, permite-se ainda a certas promiscuidades assustadoras entre quem governa e quem relata. Como país brando e susceptível, aceita impunemente ataques sem substância a diversas individualidades, sem que se desencadeiem consequências visíveis para os prevaricadores, em virtude de leis desajustas e de um sistema judicial lento e caro.
Os media têm ainda o poder de definir e dominar a agenda política e social, de enaltecer ou exterminar os interveniente políticos, de determinar a relevância ou não de determinados assuntos, no fundo desfrutam da capacidade de colocar na boca dos cidadãos os temas que consideram mais vendáveis.
Evoco frequentemente o exemplo do Bloco de Esquerda, para demonstrar as forças deste poder: Qual era o verdadeiro significado deste partido no momento da sua formação? Talvez meia dúzia de pseudo-intelectuais, das várias esquerdas esquecidas e estagnadas no tempo, que exibiam orgulhosamente as suas t-shirts do Che. Apesar da sua pequenez, os jornalistas sempre acharam piada à constituição deste movimento de contestação  acolhendo-o simpaticamente, realçando de forma sempre excessiva as suas originais acções de campanha. A extravagância é novidade... logo é notícia. O destaque efusivo das suas iniciativas de rua e campanhas, foram sempre desproporcionais ao seu real peso político. Aproveitando então esta boleia, conseguiram eleger dois deputados. Curioso foi ainda constatar, que no período onde a sua representação parlamentar face aos outros partidos era residual, a sua presença em órgãos de comunicação era frequente (por vezes, muito superior à dos outros partidos), uma vez que muitas dessas participações eram justificadas pelas intervenções mais radicais, posturas mais revolucionárias e comentários de cariz mais provocante, sempre protagonizadas pelos seus capazes oradores. Hoje temos um partido (obviamente também com méritos próprios), que embora tenha nascido para ser apenas de reacção e sem vontade de ser de poder, hoje já sonha com ele. Será que o Bloco seria o que é hoje, se não tivesse tido este acalorado acolhimento por parte dos jornalistas?
Outro estanho fenómeno, que infelizmente se assiste cada vez mais, sobretudo no jornalismo de televisão (mas não só), é a vontade dos jornalistas desejarem, também eles, serem os próprios protagonistas. A nobre missão de ser somente o transmissor, tende a transformar-se em de comentador (ou de influenciador). Observemos, por exemplo, as peças jornalísticas que são transmitidas nos telejornais, onde é cada vez mais raro não observarmos a ironias no decorrer da reportagem, a conclusões opinativas ou a montagens deliberadamente intencionadas. Poderíamos até aceitar esta forma de jornalismo nos canais privados portugueses, desde que a sua orientação politica fosse devidamente conhecida e transparente (o que não acontece, todos aclamam a sua neutralidade). Mas o que é ainda mais grave e inaceitável, é assistirmos a este tipo de episódios no canal público.
A verdade jornalística a que antes recorríamos, para argumentar ou justificar, hoje já não tem esse valor. Mais perigoso ainda são os tiques de arrogância visíveis em alguns jornalistas, confiantes que o seu poder não tem limites, uma vez que são coadjuvados por uma justiça lenta e apática. Muito dos abusos cometidos, com a passividade do Direito, os estragos são muitas vezes irreparáveis.
A decadência jornalística também se revela nos casos de violação do segredo de justiça (através de divulgação de escutas ou documentos confidenciais), que são agora regularmente publicados e transmitidos. É verdade que a Justiça não se dá ao respeito, mas é essencial, para o seu bem-estar, como valor e garante máximo da estabilidade social, que essas informações não sejam divulgadas, sobretudo com a leviandade actual. Se certas investigações estão em curso ou em fase de análise, não podem no dia seguinte aparecer na capa de um jornal ou no telejornal das 20h. Mas enfatize-se que não é só condenável quem vende estas informações (sempre estranhei nunca existir uma verdadeira caça às bruxas, pelo menos que se saiba, pelas autoridades competentes, com o intuito de apurar as origens destas fugas de informação) mas também quem as publica. Fica a seguinte dúvida: quando se paga para obter uma informação deste tipo, os jornais ou televisões, recebem alguma factura?
Inverter esta realidade não é obviamente tarefa fácil. Jamais serei a favor de qualquer tipo de limitação das liberdades da impressa. Serei contudo defensor de uma maior regulação, não para realizar o trabalho vergonhoso da ERC, que se preocupa excessivamente com o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, mas que esta possa de uma forma ágil censurar e condenar todo o jornalismo realizado de forma pornográfica, sem fundamento ou investigação e que permita também impor a justiça, protegendo as vítimas dessa má conduta.


FM (00:41)