segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Avante Camarada! (1)

“Ideas are more powerful than guns. We would not let our enemies have guns, why should we let them have ideas.”
Joseph Stalin



Vladimir Lenin – ...  reitero sem qualquer hesitação, esta é a verdadeira moral. Aquela realça o Homem pelos meios de produção.

Complexos&Contrastres – Mas qual é a base, quais são os elementos que fundamentam essa moral comunista?

Vladimir Lenin – Esta moral, ao contrário das demais, assenta a sua validade na ciência, ou seja, é demonstrada com bases cientificas sólidas e inquestionáveis.

Complexos&Contrastres – Defende então que a razão do tipo formal, defendida por outros autores como Kant, deve ser substituída por um género de razão material?

Vladimir Lenin – Claro! O materialismo histórico é a verdadeira lei das ciências sociais, que coloca em causa as concepções idealistas da moral. A velha percepção do que é bom ou do que é mau, ou as arcaicas temáticas da consciência do dever moral, apenas compatíveis com a origem divina da moral, são meras fantasias. A genialidade de Marx, manifesta no seu conceito de materialismo histórico, permite-nos assimilar de uma forma positiva e evolutiva a ideia de conflito, resultante das ebulições ocorridas nas sociedades burguesas. Esta antítese que por sua vez desencadeará a síntese, ou seja, o comunismo, tem como base uma História de conflitos sociais, isto é, decorre, numa primeira fase, das desigualdades sociais. Marx acrescenta ainda que é o materialismo que explica a consciência e não o seu contrario, ou seja, e recorrendo às suas sábias palavras, "Assim como não se pode julgar um indivíduo pela ideia que ele faz de si próprio, também se não pode julgar uma tal época de revoluções pela consciência que ela tem de si mesma. Pelo contrário, é preciso explicar esta consciência pelas contradições da vida material, pelo conflito que existe entre as forças produtivas sociais e as relações de produção..."1.

Complexos&Contrastres – ... está a descrever, segundo percebi, uma moral que nasce de uma atitude de oposição, ou se preferir de reação, e é esse movimento de tensão que irá criar esta moral? Para si, portanto, associar a boa conduta, ou melhor, estabelecer a relação entre a bondade intrínseca de uma acção com a moral em si, não é possível? Dito ainda de outra forma, a moral, que prescreve um bem universal, que determina o agir, para si não faz sentido?

Vladimir Lenin – Não. Não posso aceitar essa moral definitiva e vaga, que se pretende transversal, eterna e absoluta.  O conceito do bom e do mal, varia e difere de época para época. Já dizia Engels, “a moral verdadeiramente humana, que se elevará acima das contradições e das reminiscências de classes, só será possível na etapa do desenvolvimento social em que o antagonismo das classes tenha sido não apenas eliminado, mas em que até os seus vestígios tenham desaparecido da vida prática2. Esta estrondosa frase, salienta de uma forma clara, os antagonismos morais existentes no seio da sociedade.

Complexos&Contrastres – A moral comunista é portanto um resultado... estabelece-se apenas após um certo movimento e num determinado momento... Ou seja a ideia, e desculpe a insistência, de uma lei moral, de uma lei moral universal... é algo que para si não se reveste de força em si mesmo?

Vladimir Lenin – Força? A força da verdadeira moral é apenas alimentada pelo sentimento revolucionário. Esse é o genuíno desejo de todos os membros das classes exploradas, e que irá determinar, por sua vez, a conduta basilar desta Ética. Com isto quero dizer, que é apenas no ambiente revolucionário que se emancipará a moral. Mas não pense que irá ocorrer um processo de dissolução do indivíduo, ocorre sim uma elevação das vontades individuais, de forma a criar uma única vontade colectiva.     

Complexos&Contrastres – Pelo conteúdo e pelo ênfase das suas palavras, posso depreender que essa moral científica, como lhe chama, apresenta um carácter inequívoco de superioridade face às outras formas de moral...

Vladimir Lenin – Sim... é claro que existe essa superioridade moral. A arquitectura cientifica, sobre a qual se alicerça a moral comunista, entende que o aparecimento da moral proletária, nascerá no interior da sociedade capitalista. A moral burguesa até então dominante, não só será substituída, como será destruída. Essa moral dos capitalistas é dominada pela exploração sem princípios do homem pelo homem. Onde a única certeza é o roubo... ou roubo que eu faço, ou roubo que eu sofro. Onde ou se é escravo ou se é senhor. Ou seja, esta triste moral burguesa, o Homem apenas pretende ter algo para si, e não tem qualquer interesse por tudo o resto. É o mesmo que dizer, se eu estou bem, se eu tenho riqueza, o que me importa se outro está a morrer à fome.  É uma moral embriagada pelo egoísmo e pela insensibilidade, procurando apenas o seu bem-estar de poucos, sendo indiferente ao destino humano como um todo. A moral burguesa, é o catalisador para o despertar da nova moral, o despertar da grande moral... a única e verdadeira moral comunista, que entende o proletariado, e corresponderá às suas pretensões e intentos.

Complexos&Contrastres – Mas nesse cenário onde já existe uma forma de moral dominante... como que é sua moral se irá impor?  

Vladimir Lenin – Surgirá de uma genuína luta anticapitalista, que despoletará uma maciça difusão real e espiritual. Todo este enredo, desencadeará num óbvio desfecho... a grande revolução do proletariado.

Complexos&Contrastres – E essa revolução... esse momento de jubilação comunista, pode ser descrito de que forma?

Vladimir Lenin – Como a fonte de libertação. Uma libertação de todas as formas de exploração, como o egoísmo, a extorsão ou de destruidores sentimentos amorais.

Complexos&Contrastres – Estamos então, no seu ponto de vista, perante um novo tipo de moral, que se irá impor naturalmente e que surgirá da espontânea vontade da maioria e que ocorrerá de uma forma genuína...

Vladimir Lenin – Certamente. É uma moral completamente nova! Difere de todas as outras, uma vez que apresenta um novo recheio e pretende algo diferente. A nossa moral, começa logo pela redefinição, ou para ser mais correcto, pela eliminação da noção de propriedade privada, protegida pela lei do Estado, que é também objecto dos burgueses e quem tem, inclusive, uma certa conotação, como bem sabe, religiosa. Enquanto que na moral, que eu defendo, tudo se destina a fortalecer a propriedade socialista colectiva, ou seja, após a eliminação dos caprichos dos exploradores, a propriedade colectiva, protegida pela moral comunista, permite o estabelecimento de relações de interdependência social, pautadas por ambições, desejos e fins comuns. Vamos ainda mais longe. Embebidos neste espírito de união, diremos não ao Estado. Uma vez que o Estado, como Estado, apenas serviu, historicamente, para satisfazer as classes economicamente mais poderosas. Citando, uma vez mais, o meu camarada Engels: “A sociedade, que reorganizará a produção na base de uma associação livre de produtores iguais, enviará toda a máquina do Estado para o lugar que lhe corresponderá então: museu de antiguidades, ao lado da roca de fiar e do machado de bronze.”3. Estamos perante uma revolução a todos os níveis. Quando o momento for o apropriado e a vontade imperar na maioria, isto é, quando ocorrer a mutação socialista na sociedade, acontecerá também uma transformação no sistema moral. Quando o Comunismo triunfar, assistirá a uma solidariedade nunca observada entre os homens, será uma relação pura, uma vez que homens estarão finalmente livres das amarras, dos preceitos, dos antagonismos, dos valores, das ideologias e das tradições, que os estrangularam e os oprimiram até então. Será o triunfo da humanidade, absorvida pelos sinceros sentimentos da amizade, da generosidade e da coesão, o que permitirá fortificar as nações e possibilitará estabelecer verdadeiras relações entre elas. Mas esta moral colectiva vai ainda mais longe, uma vez que abdica, por completo, da aquiescência da religião. Sejamos honestos, a religião sempre foi algo instrumental nas mãos das classes dominantes, nas classes exploradoras. Essas classes incapacitadas de difundir uma moral de aceitação geral, recorrem à religião para de alguma forma amortecer as tensões sociais. É uma religião que apenas introduz humildade e paciência, como reacção à miséria e subjugação à burguesia. É uma religião que promete a felicidade extraterrena, de forma a compensar o sofrimento terreno. A moral comunista, por seu lado, goza de uma aceitação global. E sabe porquê? Porque além de estar baseada em princípios sinceros, sustenta-se em verdades científicas que são inquestionáveis e indesmentíveis, e como tal, o escravo, pela primeira vez, deixa de ser escravo e já não precisa de contentar-se com a implacável repressão.

Complexos&Contrastres – Pelas suas palavras, todos os bens, princípios e verdades, são de origem humana. A ideia de uma Felicidade que só poderá ser assegurada por Deus, independentemente da forma como eu aja, não é compatível com a sua visão... ou dito de outra forma... a sua moral ignora a existência de um ser que recompensará as nossas acções... ou entendi mal?

Vladimir Lenin – Entendeu bem! Algo belo nasce com o despertar desta moralidade. O bem pessoal é absorvido pelo bem comum. Isso significa a fusão entre os interesses pessoais e o interesse social. Sei que me dirá que nas sociedades, com outras morais, também existem interesses comuns, como por exemplo, quando se trata de proteger a soberania nacional... porém não deixam de ser interesses passageiros, uma vez que quando o perigo se dissolve, o interesses uma vez mais se separam. Esta sensação de parte integrante, este sentimento de união, repercute-se naturalmente em todos os domínios da sociedade. A nível económico, ou melhor, a nível da capacidade de trabalho, temos uma multidão solidária, que ajuda os menos capazes a chegarem aos melhores, contrapondo o nefasto sentimento de concorrência. Só inspirado com a esta moral, é que a motivação e a produtividade, de uma sociedade, poderá alcançar níveis de tal forma elevados que nunca antes haviam sido sonhados, permitindo assim o rápido progresso e um desenvolvimento na qualidade social. Sendo este o único e verdadeiro propósito. O comunista subordina-se à vontade colectiva, abnega de causas particulares e desprende-se de todos os bens materiais.

Complexos&Contrastres – E essa seria a Felicidade... muito bem... curiosa ideia... mas não nos desviemos...  como surge, como é que é facilitada e cimentada essa moral? Uma vez que não acredita, por exemplo, no Kantiano imperativo categórico...

Vladimir Lenin – Através da educação. Esta moral deverá ser ensinada desde cedo aos jovens, de forma que entendam que ser comunista não se resume a uma panóplia de objectivos políticos, ser comunista é uma forma de respirar, sentir e viver muito diferente das demais. Não podemos assim, permitir que valores ou maneiras de pensar diferentes, logo opostas, corroam ou contaminem a verdadeira moral. Depois de implementada, a moral comunista deverá combater as falsas morais, não permitindo que certas influências negativas, como a noção de propriedade privada, ganhem qualquer tipo de expressão. Esta educação será necessária enquanto, "os homens não se tiverem habituado progressivamente a respeitar as regras elementares da vida em comum, já há séculos conhecidas, repetidas há milénios em todos os tratados sobre moral; enquanto não se acostumarem a respeitar sem imposição, sem submissão, sem o uso de aparelho especial de coerção, chamado Estado4. O sucesso desta educação é sinónimo do prestigio do partido. Acrescento ainda... sem qualquer complacência, “a conduta moral dos comunistas não é um problema privado, que diga apenas respeito a cada qual5.

Complexos&Contrastres – Moral criada pelos homens e ensinada pelos homens...

Vladimir Lenin – Compreendendo que a minha retórica lhe possa causar estranheza. Até alguma incapacidade de aceitação. Os professores burgueses usualmente apresentam-se contrários ao materialismo filosófico. Mas a ciência é ciência meu caro, é simplesmente algo que não permite contestação. Nós sabemos que “o ideal não é senão o material transposto e traduzido no cérebro humano6. Ou seja o pensamento e a consciência provém do cérebro humano, por sua vez o homem é produto da Natureza, e como tal, só a correspondência, só a conexão e só a interdependência dos homens, dos seus cérebros e consequentemente dos seus pensamentos e consciências, poderá fazer sentido. 

Complexos&Contrastres – Significa então que a felicidade, o bem, o propósito, o saber agir... é tudo justificado pela vossa ciência, pela vossa moral que é exclusivamente humana... ou seja a divindade não tem qualquer lugar na vossa moral?

Vladimir Lenin – Não. O conceito de perfeição, ou se preferir, o conceito do sagrado, que seria uma espécie de receptáculo da moral, não coexiste com a nossa concepção. A regeneração moral é levada à cabo por homens sofredores, sofredores de uma regime burguês, que dissecou os seus espíritos e as suas vontades. Os homens melhor preparados a nível moral serão absorvidos, porque querem ser absorvidos, pelo partido. Serão eles... unidos pelo mesmo conceito de moral, que desencadearão este processo revolucionário em conjunto com outros, que embora possam não estar no mesmo plano de preparação, mas no seio da convivência do partido, saberão actualizar-se e aperfeiçoar-se e ultrapassar todas as eventuais debilidades dos seus espíritos corrompidos pelas classes exploradoras...



1) IN Karl Marx, “O Capital”;
2) IN Karl Marx e F. Engels — "Obras”;
3)  IN F. Engels, “A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado”;
4) IN V. Lenine, "Obras";
5) IN Blog As “Palavras são armas”;
6) IN Karl Marx, “O Capital”;




FM (18:32)