quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Bom Selvagem...

Será possível imaginar um mundo onde a Natureza finalmente se rende aos caprichos e desejos infinitos do Homem. Será possível imaginar uma época onde as pessoas são desenhadas biologicamente e psicologicamente moldadas.  Será possível imaginar um futuro onde a sociedade e as suas complexas interacções são programadas e pré-estabelecidas. Será possível imaginar uma sociedade... sem humanidade.
Pode até parecer, mas não estou a descrever nem o enredo de filme de ficção cientifica de baixo orçamento, nem a idealizar uma sociedade onde a moral comunista finalmente triunfaria.
O Homem sempre se fascinou a fantasiar sobre cidades e sociedades futuristas. Devaneios essencialmente literários que conjecturam realidades onde finalmente a Natureza seria submissa, onde a genética seria dominadora e onde os homens seriam os controladores da educação, os arquitectos do equilíbrio social e os artesãos das emoções e dos valores.
Sonhos e utopias do passado que hoje se mutam em quase verdades. As descobertas e propostas da ciência, sempre mirabolantes, permitem diariamente antecipar esse futuro. 
Novidades que provêm das diversas áreas da ciência, mas entre elas, talvez se evidencie, a revolução que se observa no ramo da genética. Alvoroço esse que certamente provocará, uma vez mais, tensões sobre os valores considerados basilares das nossas sociedades.
O futuro da biotecnologia promete uma realidade sem limites. Atribuirá poderes ao ser humano, que se não forem devidamente regulados e controlados, podem corromper, alterar e destabilizar a compaixão intrínseca da nossa própria humanidade, condição que teimosamente ainda validamos como princípio universal e como qualidade distinta de todos os outros seres.
Embora muitos humanistas exclamam que “o Homem não é livre para renunciar à sua qualidade de homem”, as técnicas hoje conhecidas irão destabilizam a ordem social aprendida.
Brevemente, poderemos vir a ter a o poder de selecionar exactamente o tipo de filho que desejamos, ou seja seremos dotados da capacidade de escolher não só a sua constituição física (cor do seu cabelo, a cor dos olhos, altura, etc.) como também o a sua personalidade e atributos psíquicos. Num futuro, talvez não muito distante, seremos capazes de introduzir todo o tipo de “upgrades” nos nossos organismos, criando, por exemplo, os ficcionados super-atletas. Mas será que esta arte de desenhar os filhos ou criar seres perfeitos não coloca em causa a nossa própria humanidade? Será que não estamos a liquidar o Amor? Ou será o amor um dos atributos que também podemos moldar?
Nestas palavras não pretendo censurar os fantásticos avanços da Ciência. No entanto temos que estar conscientes que a ampliação dos horizontes e fronteiras destas novas técnicas irão desencadear uma profunda reflexão. Creio que estaremos brevemente, talvez mais cedo do que cogitámos, na presença de descobertas que poderão questionar toda a existência humana.
Conquanto estes avanços possam ser de facto extraordinários, não podem deixar de inundar os espíritos com receios e dúvidas, uma vez que tudo aquilo que é mais profundo e humano passará a ser questionável.
As demais narrativas de ficção científica apresentam-nos sociedades futuristas dominadas pelos efeitos do desenvolvimento extremado da biotecnologia. Muitos autores descrevem-nos comunidades planeadas com o máximo detalhe, onde a poesia, a admiração, o desejo, o encantamento e a contemplação são meros acessórios, sendo introduzida uma falsa felicidade (mental e física), desprovida de paixão e Amor natural. Observamos inclusive a uma adaptação dos paradigmas sociais de forma a satisfazer a inovação da ciência. Provavelmente todo estes cenários são apenas meras fantasias e jamais presenciaremos a um espírito ideológico semelhante, contudo estão lançados os alicerces que conduzem a uma complexa reflexão sobre o futuro da moral.
Ignorando agora todas as retro conjecturas, o que se apresenta como inegável é o incremento desmedido do poder que o ser humano diariamente adquire na sua capacidade de dominar a Natureza. Será que estamos dispostos a revolucionar toda a nossa existência? Será que desejamos um exército de bebés clones, louros de olhos azuis, obedientes e fisicamente semelhante a Hércules?
O que fariam Estaline e Hitler se tivessem no seu tempo tamanho poder? Sem dúvida utilizaram esta arma para dominarem, moldarem e influenciarem toda a vivência política e social, sempre assentes nas suas doutrinas totalitárias e filosofias utópicas, ignorando os desejos e vontades espontâneas.
Provavelmente será prematuro divagar sobre as reais potencialidades da biotecnologia. Neste momento, perante todas as incertezas, não é fácil definir o que é moralmente correcto ou incorreto e é ainda é mais difícil determinar quais podem ser as suas fronteiras ou limites.
Elevar e defender a nossa humanidade serão os factores decisivos no momento de estabelecer as regras para os possíveis alcances na biotecnologia. Humanidade essa presente em todos os nossos actos, desde a capacidade de amar o nosso filho como ele realmente é (e não criado por nós como um objecto) até à compaixão de deixar partir alguém e sofrer com essa dor.



FM (17:46)